sábado, 18 de dezembro de 2010

Ninguém

(Nuno Ramos)

Se não quero das palavras seu sentido, mas aquilo que carregam realmente, e do incêndio quero o fogo e não a rima, da sombra o escuro e não a posição gramatical, se do amor não quero nada, por querer dizer coisas demais, então devo me chamar, como o náufrago, Ninguém, sem querer de ninguém o seu sentido, mas aquilo que vem antes, ainda sem ter estado lá; se da terra quero o que brota e afunda, mas antes que houvesse tempo, e habilidade, para chamar aos frutos, frutos e aos mortos, mortos, então seria melhor apagá-las todas, às palavras, uma a uma, às negras, pequenas aranhas, livrando o dicionário dessa mácula, e beber o que foi tinta até a boca ficar preta, e transformar a tina em chuva, em tigre.

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